– Artigo do Vice-Presidente da APC, Helinando de Oliveira, publicado pelo site Nossa Ciência.
Sendo um profissional das ciências exatas, tive a oportunidade de cursar o nível técnico de Eletrônica na antiga Escola Técnica (atual IF) para depois fazer engenharia eletrônica na Universidade e ser atraído definitivamente para a Física. Neste percurso, tive uma visão muito clara do quão vazia é a prática sem a teoria, ao mesmo nível em que é desconectada da realidade qualquer teoria sem prática (ou aplicação).
Fazer um curso de eletricidade ainda na adolescência (ensino médio) trazia um excesso de práticas sem uma fundamentação mínima. A sensação de que a física era uma grande cadeia de decorebas era inevitável a cada vez que um professor dizia: “aceite isso como verdade”.
Da pratica sem teoria à teoria sem aplicação
E quando cheguei à Universidade, vi que a teoria que deveria justificar tudo aquilo vinha desconectado da realidade. Para exercício de ilustração, tomemos o exemplo do eletromagnetismo: enquanto na Escola Técnica, a primeira coisa que fazíamos era mudar as escalas de um multímetro, mesmo que nunca discutíssemos a lei de Ampère, na Universidade tudo poderia ser resolvido matematicamente mesmo que os estudantes não entendessem minimamente o que é uma corrente elétrica. Não é raro encontrar um engenheiro recém-formado que não saiba operar um multímetro, manipular um alicate…. Fazer uma soldagem de dois fios, então…
A questão que urge é: como entrelaçar a teoria e a prática em cursos tão tecnológicos como em uma engenharia? Separar conteúdos em disciplinas teóricas e experimentais não parece ser a solução. Curiosamente, algo que tem demonstrado resultado é a incorporação de kits demonstrativos de experimentos em sala de aula. Por exemplo, demonstrar a montagem de um transformador em uma aula sobre lei da indução eletromagnética é extremamente positivo para o desenrolar da aula. E isso é fácil de justificar: em um curso tão abstrato como o eletromagnetismo, em que se trabalha com coisas complexas como os campos elétricos e magnéticos, teoremas do rotacional e do divergente, trazer um pedaço de fio, enrolar uma bobina e fazer um transformador funcionar é meio que amarrar os pés dos estudantes bem firmes no chão.
Formar engenheiros prontos para a sociedade
E engenharia é aplicação. Embora no Brasil pareça não ser. A prática constante de provas acostuma os estudantes, que preferem evitar disciplinas com projetos para continuar no mundo abstrato do certo e errado de provas objetivas e dissertativas. E neste mundo paralelo em que a meta é atingir a média 7,0 para ser aprovado, todos esquecem que no final estas notas não valem nada. Ao final de tudo, a falta de treinamento prático cobrará seu preço dos estudantes. E daí surge a ideia de que engenheiro que sai da Universidade ainda não está pronto para exercer a profissão. Sem prática, não está mesmo!
O ensino de engenharia precisa se reinventar a partir de inovações ousadas. Fundir disciplinas teóricas e experimentais pode ser uma ótima tentativa. A ideia seria inundar a sala de aula de práticas e levar as integrais e contas para o laboratório. E tudo isso com o objetivo único de manter os pés dos estudantes firmes no chão, na aplicação. Eles precisam sentir e interpretar os campos elétricos e magnéticos, entender suas causas, controlar seus efeitos e dominá-los nas aplicações que desejam implementar. As equações do eletromagnetismo devem estar dentro dos circuitos, e não fora deles. Elas precisam ser ferramentas, ao invés de decorebas que se apagam na mente ou na calculadora (com acesso a pdf) que os estudantes manejam com habilidade.
– Helinando Oliveira é físico, professor titular da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e atualmente é vice presidente da Academia Pernambucana de Ciência.