O PREÇO DO CONHECIMENTO

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Valter da Rosa Borges (APC, Cadeira #1)

O conhecimento enciclopédico é um objetivo, na atualidade, inalcançável. O crescente aumento do conhecimento como um todo nos dá a deprimente sensação de que sabemos cada vez menos por mais que saibamos cada vez mais. Este conhecimento avassalador, com seus desdobramentos no campo da ciência e da tecnologia aumenta, a cada dia, a certeza da nossa ilimitada ignorância.

Por mais que o homem se especialize e perca, em conseqüência, a visão do conhecimento em sua totalidade, já começa a pressentir que essa especialização lhe exige permanente atenção para se manter atualizado.

 

Apesar disto, para não abdicarmos de uma necessária visão panorâmica do conhecimento, precisamos saber de tudo um pouco, mesmo que superficialmente. Assim, estaremos sempre orientados sobre a posição do nosso conhecimento especializado em relação às outras áreas cognitivas. Este conhecimento, ao mesmo tempo geral e especializado, uma vez unificado, nos fornece um rico material para a reflexão sobre o progresso do saber e suas consequências quanto à sua aplicação.

 

A complexificação do conhecimento e da própria sociedade, em galopante processo de globalização, (anteriormente denominada de aldeia global por Marshall Mcluhan) com a interação acelerada de culturas diferentes, resulta no confronto de normas e valores conflitantes entre si, e nos torna mais ansiosos e inseguros ante a multiplicidade de opções para o destino da humanidade.

 

O que fazer do que sabemos e como fazê-lo adequadamente? Até onde a ciência e a tecnologia nos levarão? Tudo o que podemos fazer, devemos fazê-lo? É racional por freios à criatividade humana pelo receio de que ela possa nos trazer mais danos do que benefícios? Ou devemos confiar que a criatividade retifique o que de malefícios ela gerou? Afinal, não sabemos se o que é bom ou mau para o presente também o será para o futuro.

 

Saber, como dizia Francis Bacon, é poder. Quem sabe mais, pode mais. Porém, é de fundamental importância saber aplicar o que se sabe em que cada situação específica, com adequada operacionalidade. Saber é necessário, mas não suficiente, e sim, saber fazer o que se sabe.

 

Na verdade, a vida é uma permanente aventura porque tudo é mutável e temporário e o que antes era um mal pode, em outras circunstâncias, transformar-se em um bem, e vice-versa.

 

Humberto Maturana e Francisco Varela afirmaram categoricamente que “viver é conhecer”. O conhecer é não apenas o próprio viver como também a capacidade de sobrevivência da cada ser. Os indivíduos mais aptos são aqueles que dotados de uma grande aptidão de se adaptar aos desafios do ambiente onde vivem e do conhecimento de que dispõem para nele, atuar.

 

O conhecimento não é apenas uma atividade do presente, mas previsão e construção do futuro. Desde a mais remota antiguidade, o homem se preocupa em conhecer o futuro, seja por meio de profecias, intuições, processos mágicos, observação empírica e procedimentos científicos. Graças, no entanto, ao progresso científico e tecnológico é possível também construir o futuro e prepararmo-nos para eventos possíveis mediante técnicas de simulação tão comuns no mundo da realidade virtual. Por isto, Pierre Lévy observou:

 

A simulação tem hoje papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de criação industrial, de gerenciamento, de aprendizagem, mas também nos jogos e diversões (sobretudo nos jogos interativos na tela). Nem teoria nem experiência, forma de industrialização da experiência do pensamento, a simulação é um modo especial de conhecimento, próprio da cibercultura nascente. Na pesquisa, seu maior interesse não é, obviamente, substituir a experiência nem tomar o lugar da realidade, mas sim permitir a formulação e a exploração rápidas de grande quantidade de hipóteses. Do ponto de vista da inteligência coletiva, permite a colocação em imagens e o compartilhamento de mundos virtuais e de universos de significado de grande complexidade.”

 

Conhecer o mundo exterior, conhecer o processo do conhecer e conhecer o próprio conhecedor são atividades cognitivas que envolvem as mais diversas ciências, como a Física, a Psicologia e a Neurologia. Se a consciência é a base do nosso conhecimento, o conhecimento, em contrapartida, aumenta o grau da nossa consciência, porque quanto mais sabemos mais somos conscientes do mundo em que vivemos e seus múltiplos problemas.

 

Se, segundo a Bíblia, o conhecimento é o fruto proibido da árvore do Éden, o primeiro casal (Adão e Eva) assumiu, para toda a humanidade, as vantagens e as desvantagens da primeira degustação cognitiva. Este pecado original é imperdoável, porque definitivo. A verdadeira inocência é a ignorância e esta romântica virtude paradisíaca não mais convém ao gênero humano. Somos o resultado deste glorioso pecado e, dele, não queremos remissão. Preferimos o inferno do conhecimento, com todas as suas agruras, angústias e perplexidades do que o céu da ignorância e a sua entorpecente serenidade.

 

O conhecimento sabe cada vez mais o quanto ignora. A ignorância sequer sabe de si mesma.

* Valter da Rosa Borges foi idealizador e fundador da Academia Pernambucana de Ciências que é Presidente de Honra.