CELSO FURTADO E O DESENVOLVIMENTO

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Abraham Benzaquen Sicsú (APC, cadeira #21)

Completou cem anos em julho de 2020. Seu legado é enorme. Não há economista no País que não tenha seus livros como referência. Formação Econômica do Brasil é leitura obrigatória para quem se aventura nesta área do conhecimento.

Celso Furtado é sempre orientador. Duas características básicas o marcam: o método histórico e o ter sido membro da Comissão Econômica para a América Latina- CEPAL. Não se atem apenas aos fatos históricos, por meio de sua obra se conhecem os diferentes ciclos econômicos e o seu alicerce de poder, na América Latina e, em particular, no Brasil. Mas, permite entender como se consolidaram estruturas e aponta para fatores necessários para o planejamento de sua reformulação.

Antes da Pós-graduação, conhecia apenas o livro clássico. Com ele aprendi as diferentes fases da história do País, os ciclos econômicos e as relações de poder.

Tive a sorte de ter uma disciplina, em curso no período de férias no Mestrado, que me permitiu aprofundar em seus achados. 12 textos, entre livros e artigos foram analisados. Reflexões sobre o Subdesenvolvimento na América Latina, no Brasil e no Nordeste, foram aprofundados. O compreender dos desequilíbrios estruturais, do perfil de concentração de renda e das disparidades inter e intrarregionais os principais balizadores. As questões da dependência são temas recorrentes em sua obra.

Um dos aspectos que mais marcam é a firme convicção da importância da integração latino-americana e seus impactos para um projeto de desenvolvimento. Não ignorava os efeitos da financeirização da economia e as consequentes crises advindas do descolamento com o mundo produtivo.

O acesso à terra e as questões fundiárias é outro tema recorrente em seus estudos. Nisto, o Nordeste brasileiro tem importância na obra. A questão regional, a territorialidade e as suas limitações, por recursos naturais ou por densidade demográfica, são largamente explicitadas.

Furtado tinha uma visão clara do processo de desenvolvimento capitalista e de sua complexidade. Neste sentido, a industrialização surge como ponto central do processo para superar a dependência, na Latino América, era cepalino, e no Brasil, em particular.

Deve-se ressaltar que tinha como base o papel do Estado como regulador e promotor do processo de alavancagem das economias não centrais. Nisto se destaca, o papel de homem público e de planejador que tanto o caracterizou.

Um aparte se faz necessário. Como homem público foi Ministro da Cultura. Um livro interessante de Cesar Bolaño, nos mostra como tinha consciência que as transformações econômicas só poderiam ser alcançadas se a identidade de um povo fosse valorizada, o respeito e incentivo à diversidade cultural passa a ser alicerce básico no processo de transformação.

Anos atrás, fui convidado para escrever um capítulo de um livro sobre o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, Grupo que levou à criação da SUDENE e foi coordenado por Celso.

Em parceria com Adriano Dias, realizamos a tarefa com muito gosto. Foi publicado no livro e na Revista Econômica do Nordeste. Chamo atenção a este fato, pois a questão tecnológica é pouco ressaltada pelos estudiosos de sua obra. Tratamos da ênfase dada à indústria. Num levantamento pormenorizado do tema e de documentos da época, chegamos à seguinte conclusão:

O GTDN trabalhou num período de forte influência das ideias cepalinas onde as relações centro/periferia tomavam lugar de destaque e a industrialização era vista como mecanismo de busca de transformação da periferia no mesmo padrão de desenvolvimento do Centro. Neste sentido, procurou transportar para o Nordeste um modelo de industrialização similar ao do Centro-Sul do País. Distintamente do padrão convencional de abordagem de então, colocou o foco de discussão na questão tecnológica. Minorou, todavia, a importância de questões básicas para o avanço tecnológico na época, como o tamanho de mercado, as economias de escala e a mão de obra especializada. A SUDENE aprendeu na ´prática a importância desses aspectos e foi, Plano a Plano, modificando a visão original e incorporando noções mais realistas do que pode ser avanço técnico numa região periférica de um país periférico. O grande legado do GTDN, no que tange à questão tecnológica foi ter começado um processo em que o planejamento do desenvolvimento passa a ter necessariamente um enfoque desse vetor.”

Por fim, cabe ressaltar que, em sua obra, plural e multifacetada, de um pensador que via potencial para mudanças muito importantes para a diminuição das disparidades regionais, tinha sempre por trás um projeto elaborado, alicerçado em trabalhos técnicos e dados confiáveis, em que o planejamento surgia como ponto principal de um processo modernizador e inclusivo. Esses ensinamentos precisam ser retomados. Mas, para isto, fundamental construir as condições políticas que lhe deem sustentação.