A realidade é a maior de todas as questões metafísicas.
Como seres individuais, só podemos conhecer setorizadamente a realidade. Jamais conheceremos a realidade total. E a realidade, como a percebemos, é um mistério porque está sempre a mudar. Só podemos conhecer o que não muda. Por isto, buscamos inutilmente o imutável apesar de estarmos mudando e de tudo estar mudando.
A coerência é uma invenção humana que mantém a ilusão da permanência. É a tentativa de compreendermos a realidade, porque nos perturbamos com a contradição e o paradoxo.
Se tudo for imutável, tudo será previsível e, portanto, passível de controle. Se tudo for parcialmente imutável, só a parte imutável será previsível e controlável. Mas, se tudo for mutável, tudo será imprevisível e, portanto, incontrolável.
A realidade, para nós, é aquilo que percebemos ou que organizamos. Por isto, jamais poderemos nos livrar, totalmente, do antropomorfismo e do antropocentrismo. Nada sabemos sobre o que nos é imperceptível.
Se não podemos entender a realidade em sua totalidade também não podemos entendê-la em suas unidades mais simples, ainda não encontradas pela ciência. Microcosmo e macrocosmo parecem não ter fim. Tanto em uma direção como em outra viajamos para o infinito.
Embora saibamos que a realidade nem sempre é como se nos parece, são as aparências que nos guiam, conquanto não sejam confiáveis.
Há ilusões que sabemos que são ilusões, mas nos comportamos em relação a elas como se fossem verdadeiras. E há ilusões que não sabemos que são ilusões e, por isto, temos a convicção de que são verdadeiras.
Nunca saberemos por que e para que o universo e todos os seres existem. Por que o que é não é de outro modo? E por que e para que somos conscientes e vivemos a perguntar o porquê e o para quê das coisas? Tudo o que dissermos sobre isto não passará de especulação filosófica ou de crença religiosa.
Nunca saberemos o quanto não sabemos sobre a realidade. Ela é, para nós, como a percebemos e como imaginamos que ela seja.
Todas as coisas parecem feitas de partículas cada vez mais ínfimas de nenhuma coisa. A mais ínfima partícula que a ciência, um dia, possa encontrar talvez não seja a substância última da realidade, mas sim o limite da nossa tecnologia.
A realidade é objetiva quando as subjetividades dos observadores interagem entre si, resultando em consensualidade. Ela não é apenas o que percebemos, mas também o que não percebemos. Não somente o visível, mas ainda o invisível.
Vivemos mais da ficção, do mito, do fantástico do que da chamada realidade objetiva.
Nada é real em si mesmo: tudo é real nas conexões. Ou seja, tudo é enquanto está em conexão. É ela que nos dá a impressão de que a realidade tem núcleo.
Nenhum fenômeno é ilusório, mas apenas transitório. Os fenômenos são pulsações do real, embora o real permaneça incógnito na sua plenitude. Assim, eles são momentos fugazes da realidade perene.
É possível que haja infinitos níveis da realidade, sendo o mundo físico um deles. O que denominamos de realidade é o conjunto de relações de um mesmo nível. Essas relações são resultantes de interações e constituem a “matéria” de um determinado nível fenomênico.
Podemos postular que esses níveis se entrelaçam entre si, formando uma infinita rede de interações que apresentam variações, porque cada um dos níveis da realidade tem a sua característica própria.
A realidade resulta das relações entre todos os seres da mesma espécie. Ela se constitui pelo consenso de observadores e muda quando ocorre mudança no consenso. Assim, a rigor, não há realidade, mas realidades, que interagem ou não entre si.
Esta realidade consensual é objetiva quando as subjetividades dos observadores interagem entre si.
Não há uma realidade objetivamente organizada, mas uma realidade objetivada segundo a estrutura perceptual de cada espécie, produzindo a impressão de uma realidade comum aos seus indivíduos.
Os progressos da ciência e da tecnologia vêm, gradativamente, aumentando a nossa capacidade perceptual, visibilizando o que era invisível e comprovando que o real não é tão-somente o que reage à nossa sensorialidade. A estrutura sensorial detecta apenas uma insignificante parcela da realidade.
Se, como afirmam alguns cientistas, o universo é constituído, na sua quase totalidade, de matéria escura, a luz é um acidente da escuridão. A matéria luminosa, que emite radiação eletromagnética, é apenas uma parcela insignificante de toda a matéria. Assim, não podemos sequer imaginar a dimensão da realidade invisível. A luz é o nosso modo de ver uma ínfima parcela da realidade. Ver, para nós, é um ato de luz.
Denominamos de real o que é físico e, por isto, acreditamos que só o físico é real. O sonho é real, mas irreal se comparado com o físico. Por sua vez, o físico é irreal se comparado com o onírico. O virtual é um sonho induzido por um jogo de computador. O sonho é o virtual induzido por um estado orgânico.
A realidade virtual, oferecida por programas de computadores, torna-se sucedânea da realidade porque simula situações que, um dia, poderão tornar-se concretas. O computador antecipa vivências e propicia amostragens experienciais de uma nuvem de probabilidades que nós denominamos de futuro.
A realidade, para nós, é sempre material, pois matéria é o modo como decodificamos o real. À medida, portanto, que ampliamos as nossas extensões sensoriais, com o auxílio do arsenal tecnológico, ampliamos o nosso mundo físico, tanto em nível microcósmico quanto em nível macrocósmico. A matéria, portanto, não é ilusória. Ilusória é a crença de que a matéria, isto é, a nossa forma de interagir com a realidade, é toda a realidade. Assim, há, possivelmente, infinitos níveis de realidade e cada qual com a sua “materialidade” própria.
Então, é de se perguntar: se a matéria é a forma, como os nossos sentidos decodificam a realidade, o que são, afinal, a realidade e o observador? Sentimo-nos reais, mas não sabemos o que é a realidade, do mesmo modo como somos seres vivos e não sabemos o que é a vida. Também não sabemos o que somos e porque somos estruturados deste jeito, percebendo a realidade segundo nosso modo de ser.
A cada momento, inventamos a realidade. O que chamamos de real físico é o colapso do real virtual, ou seja, é a atualidade de uma potencialidade, embora não saibamos o processo dessa seletividade, que produz a contínua conversão de potencialidade em atualidade.
No universo cultural, o real é a probabilidade que se realiza indefinidamente pela ação reiterada e simultânea dos membros de uma sociedade. Ou seja, cada cultura fabrica continuamente a sua realidade.
Tudo são probabilidades, e o que chamamos de real é a probabilidade que aconteceu. Logo, a probabilidade é a causa e a matriz do real, porque, como seres acontecidos, só consideramos real o acontecido.
* Valter da Rosa Borges. Idealizador e fundador da Academia Pernambucana de Ciências e seu Presidente de Honra.