HOUVE AVANÇO DAS MULHERES NO MUNDO CIENTÍFICO. É SUFICIENTE?

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Vanderlan da Silva Bolzani (Convidado da APC)

O período de cinquenta anos é visto em geral com um caráter simbólico, sem dúvida por se tratar também de meio século. Para efeito deste texto, é mais ou menos este o tempo coberto pela experiência da autora como participante e observadora do mundo acadêmico brasileiro e mundial, em sua carreira científica.

No eixo do espaço, por sua vez, está a nordestina, paraibana de João Pessoa, que no início dos anos 1970, deslocou-se para São Paulo e depois para Araraquara, no interior paulista. Cidades onde viveu os cinquenta anos seguintes. A reflexão sobre a questão das mulheres na ciência, desta forma, é pautada por essas identidades de tempo e espaço, mas também sobre a questão de gênero nas regiões Nordeste e Sudeste, destacadas por diferenças econômicas, sociais e culturais.

O que mudou durante esse período para as mulheres que escolheram a carreira científica, principalmente nas chamadas áreas “duras”, como Física, Química e Matemática, ou nas Ciências Biológicas?

A tentativa de simplificar a resposta diz que muita coisa mudou, para melhor. Mas a afirmação requer ressalvas essenciais. O peso do passado, das velhas estruturas hierárquicas patriarcais, com sua história milenar, continua fazendo valer sua força. Ele está presente quando se observa os números que registram a ocupação de postos decisórios e responsáveis por definições estratégicas nas universidades, nos centros de pesquisa ou em cargos de governo ligados à CT&I. A partir de um certo ponto, em direção ao topo da pirâmide, a divisão entre homens e mulheres se mostra altamente desigual, privilegiando os primeiros. O cenário vale para o Brasil e, também, com nuances, para a maioria dos países desenvolvidos, com os quais temos maior afinidade cultural.

Mas o observador poderá constatar, durante as últimas décadas, uma linha ascendente de crescimento da participação feminina no espaço da pesquisa científica brasileira. Os números estão disponíveis nos bancos de dados do CNPq, da Capes, das Fundações de Amparo à Pesquisa. O ponto importante é que aqui não se trata de “exceções brilhantes”, isto é, de destaques individuais que ganharam notoriedade, mas sim da formação massiva de dezenas de milhares de mulheres cientistas que estão nos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq, grupos onde a presença feminina é igual ou superior à masculina; estão nos registros de publicações científicas internacionais indexadas; estão nos projetos de pesquisa avançada, nas áreas estratégicas, como genoma, novos materiais, energia ou meio ambiente; contribuem com seu conhecimento para grupos de pesquisa internacionais sediados nas principais universidades mundiais.

Visto nesta perspectiva, pode-se considerar este trajeto como um processo exitoso de construção da identidade feminina no campo da pesquisa científica, ou pelo menos, um avanço considerável em relação a períodos anteriores.

É interessante também colocar alguns contrapontos para melhor situá-lo. Desde sua criação, em 1901, o Prêmio Nobel conferiu sua chancela a 934 cientistas e intelectuais. Desse total, 57 eram mulheres. De sua origem até 1970, quando tem início nosso período de cinco décadas, cinco mulheres foram agraciadas com a premiação nas áreas de Física, Química e Fisiologia e Medicina. A partir dos anos 1970, 17 mulheres foram contempladas neste conjunto de categorias, sendo que final de nosso período, em 2020, três cientistas mereceram a homenagem.

A leitura possível destes números é que, mesmo nos chamados países desenvolvidos, onde se concentra o maior número de premiados, a inserção das mulheres na “alta ciência”, dá-se de forma lenta, frente ao desafio de romper os padrões tradicionais de predomínio masculino.

O período viu se afirmarem cientistas brasileiras cujas contribuições abriram caminhos importantes para o desenvolvimento científico mundial. E se fosse necessário escolher apenas uma delas para representar esse grupo a escolha recairia sobre a agrônoma Johanna Döbereiner, cujas pesquisas sobre a fixação do nitrogênio no solo foi um marco na evolução cientifica e tecnológica da agricultura tropical, que hoje coloca o Brasil como o maior produtor mundial de soja, dando uma enorme contribuição para a para a economia do país.

Os números trazem muitas informações, mas quando a observação pessoal, subjetiva e interessada faz a comparação sobre o que mudou nesses cinquenta anos, o relato pode ganhar cores mais vivas. O Brasil conta hoje com uma geração de pesquisadoras, formada nas últimas décadas, que soube assimilar e expandir os ganhos das cientistas pioneiras.

Para quem ingressou na vida acadêmica nos anos 1970, as diferenças são expressivas. A começar pela comparação com um mundo no qual as exigências da vida familiar para as mulheres se sobrepunham à vida profissional. E a ascensão feminina aos postos principais da universidade era a exceção, e não a regra.

Parte significativa da nova geração de pesquisadoras enfrenta hoje estas dificuldades em escala muito menor. Quem vê de perto esta mudança constata hoje nos laboratórios e salas de aula o surgimento de uma nova figura feminina que consegue concretizar com maestria o almejado objetivo de ser cientista plena, esposa e mãe.

Estes ganhos precisam ser assimilados e valorizados pela sociedade brasileira para que possamos avançar e entregar um País melhor às próximas gerações.

*Vanderlan da Silva Bolzani, Professora Titular do IQAr, UNESP, Membro do Conselho da SBPC e Presidente da Academia de Ciências de São Paulo.