A PESQUISA DA BIODIVERSIDADE E O SONHO BRASILEIRO

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Vanderlan da Silva Bolzani*

As últimas décadas assistiram uma evolução constante na capacidade de fazer ciência da universidade brasileira. Números de publicações em periódicos internacionais, formação de doutores e outros indicadores respaldam a afirmação. Mas ela se apoia também na ampla gama de soluções tecnológicas que tiveram origem na universidade, em várias áreas, como a agroindústria e ciências biomédicas, por exemplo.  

Esses avanços tornaram o País mais apto para responder a necessidades e oportunidades que se colocam para as sociedades nesta etapa do século XXI – o confronto com a tragédia da pandemia veio realçar a importância dessa capacitação. 

Dadas as suas dimensões e características, o Brasil é beneficiado com oportunidades únicas. E uma delas se destaca de forma marcante: a chance de explorar os recursos naturais de maneira sustentável, como opção para gerar riquezas em uma economia mundial em plena transformação. 

Para alguns a proposta é um “sonho” que vale a pena ser perseguido. Mas é certo que para parte da sociedade ela não passa de um discurso abstrato. Afinal, do que estamos falando? Porque as pessoas deveriam se preocupar com a pesquisa de produtos naturais?

Resultados sucessivos do trabalho científico fizeram com que áreas de conhecimento entre elas a Química, a Biologia, a Ecologia, convergissem para ampliar a compreensão sobre os processos bioquímicos internos de plantas e animais. Assim como das relações entre as plantas, insetos, predadores e ecossistemas. Descobrimos que a planta é uma “fábrica” viva de moléculas e soluções bioquímicas que asseguram sua sobrevivência, elaboradas pela natureza ao longo da evolução. 

Desde sempre, essas fábricas têm sido utilizadas pelo homem, mas, do ponto de vista científico, há um universo a ser pesquisado que pode ampliar o conhecimento sobre biomas pouco estudados, em busca de fármacos, alimentos funcionais, cosméticos ou fontes de energia. Vários dos medicamentos que consumimos hoje têm seus princípios ativos baseados em moléculas copiadas da natureza. 

Estima-se que cerca de um quarto da biodiversidade vegetal do planeta esteja em território brasileiro e do conjunto apenas uma parte ínfima foi estudada cientificamente. Ao mesmo tempo, o País formou nos últimos anos milhares de pesquisadores qualificados que podem avançar nesta tarefa conjugando o conhecimento de químicos, biólogos, farmacêuticos médicos e engenheiros.

Assim como ocorre com as outras áreas da universidade, muitos projetos de pesquisa com produtos naturais estão sendo postergados ou se encontram em vias de interrupção porque faltam bolsas de estudo para mestrandos e doutorandos, responsáveis pelo trabalho de laboratório. Os seguidos e crescentes cortes de recursos para ciência e tecnologia começam a alterar o cenário atual da pesquisa e, sem dúvida, vão reduzir a capacidade do País de atuar em áreas estratégicas, assim como as opções da sociedade brasileira no futuro.  

* Vanderlan da Silva Bolzani, Professora Titular IQAr, UNESP, Presidente Academia de Ciência de São Paulo (ACIESP), Membro da ABC, e do Conselho SBPC