ELETRÔNICOS VESTÍVEIS

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Helinando Pequeno de Oliveira (APC, cadeira #19)

A integração de dispositivos eletrônicos com o nosso corpo vem sendo popularizada pelos equipamentos do tipo smart watch, que permitem monitorar diversos parâmetros como batimentos cardíacos, número de passos, nível de oxigenação, entre outros. No entanto, para além dos braceletes inteligentes de monitoramento, os vestíveis eletrônicos caracterizam uma série de novos dispositivos completamente integrados em peças de vestimenta e que podem não apenas monitorar sinas vitais mas também atuar sobre o nosso corpo, liberando espécies químicas (fármacos), pulsos elétricos sob condições específicas ou mesmo controlando a temperatura em certas regiões do corpo, viabilizando a produção de curativos inteligentes aplicados em tratamentos de infecções severas, como por exemplo as observadas em ferimentos do tipo pé diabético.

Para o desenvolvimento desta nova geração de dispositivos, há de se considerar uma série de impedimentos em materiais convencionais que entrarão em contato com a pele ou mesmo na forma de implantáveis (como marca-passos). A primeira delas se refere ao tempo de vida de armazenadores de energia e da duração de ciclos completos de carga e descarga destes. No caso de smart watch (e até de nossos aparelhos de telefone de celular), já percebemos a necessidade de recargas diárias. No caso dos dispositivos implantáveis, o esgotamento de baterias introduz o agravante da necessidade de intervenções cirúrgicas para sua substituição, um risco adicional que precisa ser evitado.

Como podemos perceber, em todos os casos elencados, é crítica a necessidade de se estabelecer estratégias para a produção de dispositivos mais eficientes (em termos de tempo de carga e descarga) e também de vida útil. Especificamente para os vestíveis é fundamental ainda a existência de integração adequada entre os componentes eletrônicos e baterias com as peças de vestimenta, de forma a garantir simultaneamente conforto e desempenho.

A conjunção destas propriedades representa uma grande dificuldade para a eletrônica convencional, tendo em vista que os dispositivos atuais são nada flexíveis (vestir uma placa de computador não deve ser nada agradável, elegante nem prático). A possibilidade que surge desta constatação é de que é necessária a substituição dos componentes eletrônicos convencionais por outros que passem a ser montados sobre substratos têxteis (algodão e seda, por exemplo). A eletrônica passaria a ser a “textrônica” e os dispositivos precisariam preservar a resistência mecânica de seus suportes como por exemplo as propriedades de estiramento e flexibilidade. E esta integração segue para a necessidade destes novos componentes eletrônicos serem laváveis e centrifugáveis em máquinas de lavar, preservando suas propriedades eletrônicas iniciais, afinal eles seriam também parte das roupas. Além do que foi colocado, se cada camisa passa a ser um dispositivo eletrônico, seria extremamente enfadonho carregar todas elas diariamente para habilitá-las ao uso. A possibilidade de caminhar com uma camisa descarregada seria altíssima (com isso toda a tecnologia teria sido em vão).

Desta forma, além de todos os requisitos já elencados acima, é fundamental que essa nova eletrônica vestível seja também autônoma. No caso ideal, os dispositivos devem ter a capacidade de captar e converter energia para os seus dispositivos de armazenamento de energia. As fontes para este processo podem ser de diversas naturezas: imaginemos células solares vestíveis incorporadas às camisetas ou conversores que aproveitem a energia do corpo (energia do impacto dos pés no chão, por exemplo) para separar cargas elétricas. Os dispositivos conhecidos como triboelétricos fazem uso da separação de cargas por contato entre materiais tribopositivos e tribonegativos para gerar uma diferença de potencial, que pode ser usada, por exemplo, para carregar um dispositivo de armazenamento de energia. Importante ressaltar que não apenas o toque dos pés no chão pode ser aproveitado como também o movimento do tronco no ato de respirar é fonte de energia a ser coletada. Desta forma, vestíveis eletrônicos autônomos dependem da combinação de associação de geradores de energia triboelétricos e armazenadores de energia do tipo bateria e supercapacitores em peças de vestimenta.

O conceito de supercapacitor é relativamente recente e surge como importante alternativa para suprir as carências de baterias e capacitores convencionais. Enquanto as baterias têm bom desempenho em termos de densidade de energia, sua densidade de potência é bem reduzida. Já os capacitores convencionais têm bom desempenho em termos de densidade de potência, mas com baixa densidade de energia. Os supercapacitores surgem na tentativa de aproveitar as boas propriedades de baterias e capacitores, atingindo um bom desempenho em termos de potência e de energia. A incorporação de supercapacitores vestíveis autônomos traria um novo horizonte para alimentação destes dispositivos eletrônicos, que seriam permanentemente carregados pela energia capturada do movimento de nosso corpo.

Para transformar todas estas ideias em dispositivos é fundamental garantir a condutividade típica de metais às fibras de algodão e seda. Esta necessidade se dá pela configuração típica de dispositivos eletrônicos: para um capacitor, por exemplo, faz-se necessário ter coletores elétricos para transportar cargas entre placas condutoras separadas por um dielétrico.

No entanto, algodão e seda são isolantes elétricos! Uma estratégia simples para conferir condutividade elétrica para estes materiais pode ser o entrelaçamento de fios de cobre finos. Embora seja uma solução para a condutividade elétrica, o uso de materiais metálicos afeta a flexibilidade do material vestível e em especial no conforto da peça resultante. A incorporação de uma fina película de material condutor seria o mais indicado para preservar a resistência mecânica enquanto que elevaria a condução de corrente superficial no material.

Neste sentido, uma estratégia muito interessante tem sido a polimerização de substratos flexíveis com polímeros condutores como o polipirrol e polianilina que garantem não apenas boa condutividade elétrica mas também a multifuncionalidade dos polímeros condutores, que podem ser aplicados como agentes antibacterianos, aquecedores do tipo Joule além de eletrodos de supercapacitores (ALCARAZ-ESPINOZA et al. 2017; SILVA et al. 2017; LIMA et al. 2018). Como vantagens deste processo, estão a manutenção das propriedades mecânicas das fibras de algodão e a possibilidade de construção de supercapacitores a partir de simetrias simples de fibras dispostas lateralmente e coladas por uma fina película de hidrogel funcionando como separador do supercapacitor.

Apesar da simplicidade no processo de síntese química dos polímeros sobre as fibras têxteis, há uma série de desvantagens no uso isolado destes materiais em supercapacitores, como por exemplo na rápida degradação por sucessivos usos. A solução adotada para melhorar o desempenho de dispositivos orgânicos do tipo supercapacitores tem sido associar a pseudocapacitância dos polímeros condutores com a dupla camada elétrica de óxidos de grafeno e nanotubos de carbono (OLIVEIRA et al. 2013).

Com isto, além de processos de oxidação e redução, a área superficial do carbono estruturado funciona como um conjunto de sítios para acúmulo de cargas superficiais, melhorando o desempenho global do dispositivo. Do que resta ao desenvolvimento de dispositivos totalmente autônomos, trabalhos seguem em andamento no Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO) da Univasf para produzir um conjunto integrado à base de fibras de algodão modificadas que permitam o uso compartilhado de gerador triboelétrico e supercapacitor. Com isto, passa a ser estruturada uma parte importantíssima de todo o sistema vestível, que permite alimentar continuamente os sistemas de monitoramento, atuação e comunicação com a internet, prolongando a vida útil do sistema e conferindo melhor desempenho eletroquímico aos armazenadores de energia.

REFERÊNCIAS

ALCARAZ-ESPINOZA, J.J.; MELO C.P.; OLIVEIRA, H.P. Fabrication of Highly Flexible Hierarchical Polypyrrole/Carbon Nanotube on Eggshell Membranes for Supercapacitors. ACS Omega 2:2866–2877. https://doi.org/10.1021/acsomega.7b00329, 2017.

SILVA F.A.G.; ALCARAZ-ESPINOZA, J.J.; COSTA, M.M.; OLIVEIRA, H.P. Synthesis and characterization of highly conductive polypyrrole-coated electrospun fibers as antibacterial agents. Compos Part B Eng., 129:143–151. https://doi.org/10.1016/j.compositesb. 2017.07.080, 2017.

OLIVEIRA, H.P.; SYDLIK, S.A.; SWAGER, T.M. Supercapacitors from Free-Standing Polypyrrole / Graphene Nanocomposites. J. Phys. Chem. 20:10270–10276. https://doi.org/10.1021/jp400344u, (2013)

LIMA, R.M.A.P.; ALCARAZ-ESPINOZA, J.J.; SILVA, F.A.G.; OLIVEIRA, H.P. Multifunctional Wearable Electronic Textiles Using Cotton Fibers with Polypyrrole and Carbon Nanotubes. ACS Appl. Mater Interfaces, 10:13783–13795. https://doi.org/10.1021/acsami.8b04695, 2018.

* Elinando Pequeno de Oliveira, Físico, Professor da Unversidade Federal do Vale do São Francisco, Acadêmico da APC.