RACHEL CARSON. 60 ANOS APÓS PRIMAVERA SILENCIOSA

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Romero Marinho de Moura (APC caderia #04)

“The desire for total control of nature for the man is conceived an arrogance and disruption of key metabolic pathways and mutations are high prices to pay to have no mosquitoes” Rachel Carson

Na década dos anos quarenta, ainda com poucos produtos à venda, o comércio e uso dos então defensivos-agrícolas (atualmente agrotóxicos) era insipiente no Brasil e no mundo. Nos Estados Unidos, eram conhecidos por pesticides (pesticidas). Não existia legislação efetiva sobre a matéria, especialmente no que concerne o controle de compra e uso. Este fato era verdadeiro para todo o mundo.  Em 1947, deu-se uma descoberta extraordinária: a ação inseticida da molécula C14 H9 Cl5 (dicloro-difenil-tricloroetano, nome técnico DDT), pelo químico suíço Paul Hermann Müller (1889-1965), que registrou a patente na Suíça e revolucionou o controle de insetos-praga. O DDT foi usado inicialmente como arma de proteção dos soldados norte-americanos na Segunda Guerra Mundial, sobretudo nos cenários enlameados das batalhas do Sul do Pacífico, onde a malária e os mosquitos matavam mais do que armas inimigas. Após o seu sucesso na guerra, o DDT passou a ser utilizado na agricultura, em ambientes domésticos e em campanhas sanitárias, com extraordinário sucesso, em todos os casos, em todo o mundo! O DDT, mostrava-se atóxico ao homem, aos animais domésticos, possuía odor perfeitamente tolerável e era de baixo custo. Com esse produto, a malária, o tifo, a filariose linfática e outras endemias foram erradicas em muitos lugares do mundo.  O DDT possuía elevado efeito residual, ou seja, depois de aplicado continuava efetivo no local por muitas décadas!  Pela descoberta, P.M. Müller ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia & Medicina, em 1948.

Terminada a guerra, surgiu uma necessidade de maior de oferta de alimentos para a população norte-americana e para os países destruídos pelas hostilidades militares. Também, devido à predominante quantidade de residências de madeira no Hemisfério Norte, os cupins e outros insetos caseiros eram permanentes pragas urbanas. Contando com uma alta disponibilidade do princípio ativo e uma indústria estabelecida para produção em massa, os Estados Unidos passaram a praticar o uso abusivo do DDT, o que ocorreu em muitos outros países, inclusive no Brasil. Eram aplicações em todos os ambientes das cidades e no campo, surgindo, como consequência, problemas ambientais e de saúde pública, que não eram levados ao conhecimento da população. Nos anos 50, os Estados Unidos venderam no comércio interno e exportações muitos milhões de dólares de produtos à base de DDT. O verbo dedetizar era conjugado a cada minuto no mundo e os lucros das empresas multinacionais envolvidas no comércio extraordinariamente crescente. Naquela época, entre os pesticidas importados pelos países aliados aos USA, além do DDT e seus similares organoclorados, estavam os herbicidas, os fungicidas e outros inseticidas. A demanda por estes produtos transformou um discreto grupo de empresas, num riquíssimo aglomerado de multinacionais, com o DDT liderando as vendas. Passaram-se muitos anos de uso abusivo e, em 1962, a norte-americana, bióloga, natural do estado do Maine, escritora e pesquisadora de reconhecido talento científico e literário, Rachel Carson, publicou o livro Silent Spring, após vários outros, entre os quais “The Sea Around Us”, este último, considerado um marco nos estudos e pesquisas oceanográficas. A citada escritora-pesquisadora trabalhava no Instituto de Oceanografia do estado de Nova York, mas dedicava muito da sua atenção a vários outros setores das ciências biológicas. Silent Spring foi publicado em forma de pocketbook, pela Fawcet Crest Book, in Greenwich, Connecticut, USA e vendido, à época, por 95 centavos de dólar. Cedo, Silent Spring se tornou um dos maiores bestsellers de todos os tempos, pelas graves denúncias sobre intoxicações em humanos e agressões ao meio ambiente, causados pelos pesticidasespecialmentepeloDDT. O livro apresentou dados com documentação científica comprobatória, que não eram divulgados ao público. Envolviam crimes ambientais, agressões ecológicas diversas, principalmente mortes de pássaros (daí o título: Primavera Silenciosa), de peixes e de outros animais silvestres. Tais fatos estavam, segundo a autora, relacionados ao mau uso dos pesticidas.  O livro abordou, também, a questão das intoxicações em humanos, pois o segundo ponto denunciado foi o acúmulo de resíduos de organoclorados numa alta porcentagem da população. A presença de DDTfoi constatada e em quase todos os tipos de alimentos, inclusive no leite materno. Essas informações trouxeram perplexidade, pois, inclusive, mostram a real possibilidade de correlação entre resíduos de agrotóxicos em alimentos e doenças crônicas, inclusive o câncer. Rachel Carson foi a primeira cientista a disponibilizar estas informações para grande público e Silent Spring se tornou o grande alerta para um basta ao mau uso dos pesticidas. O seu principal alvo era o DDT e similares organoclorados, que geravam milhões e milhões em lucros às indústrias produtoras e altíssimos dividendos ao governo norte-americano.

No dia 3 de abril de 1963, a rede de televisão norte-americana CBS, em seu programa CBS Special, apresentou para debate o tema: Silent Spring of Rachel Carson, com a presença de debatedores do mais alto nível nacional. Ao fim todos se mostram favoráveis às denúncias, gerando significativa repercussão nacional. O então presidente da república J.F. Kennedy, impressionado, após ler o livro e ter assistido ao programa da CBS, convocou, imediatamente, o seu Comitê Assessor Científico (Science Advisory Commitee) e pediu uma investigação imediata dos fatos. O relatório final apresentado pelo comitê foi totalmente favorável à Rachel Carson. Com isto, o presidente Kennedy, assumiu integralmente à causa, passando a supervisionar diretamente o uso do DDT, até o banir definitivamente do comércio e de uso nos USA, sem antes, entretanto, convidar Rachel Carson para depor perante o Comitê, o que foi feito no mês seguinte, no dia 15 de maio, com total sucesso da autora. Rachel Carson, na ocasião, já sofria fortíssima pressão das empresas multinacionais. Infelizmente, seis meses após, em 22 de novembro do mesmo ano, o presidente Kennedy foi assassinado. Daí, então, o tempo passava e nada era feito, graças aos lobistas e maus parlamentares que postergavam qualquer iniciativa que viesse trazer prejuízos às empresas que produziam e comercializavam pesticidas. Paralelamente, na tentativa de abafar a causa, ataques pessoais passaram a atingir fortemente autora, alguns dos quais, em níveis muito baixos. O mais antigo parece ter sido a carta do Secretário da Agricultura Eza Taft Benson, fato ridículo, que fez saber ao presidente da república, à época o general Dwight D. Eisenhower, que Rachel Carson era solteira, e, sendo mulher bonita de corpo atraente, deveria ser comunista! À época, uma acusação como esta poderia custar à vida profissional de qualquer cidadão. Era o movimento macarthismo, iniciado nos anos 50, liderado pelo senador republicano Joseph McCarthy, O macarthismo, conhecido também como “caça às bruxas”, fez centenas de perseguições e vítimas, uma das quais Albert Einstein. Esta maldade foi tornada pública e, como não havia provas, a questão foi arquivada. Entretanto, a denúncia induziu novos ataques pessoais, entre os quais, um que questionava a sexualidade da personagem, quando publicaram que sua amizade com a escritora Doroty Freeman (1889-1978), sua vizinha e grande amiga, era do tipo romântico. O homossexualismo nos Estados Unidos, naquela época, era causa de exclusão social. Mais uma vez, a acusação foi provada ser mentirosa. As agressões foram sempre geradas por aqueles que temiam perder fortunas, propinas e privilégios, mesmo conscientes de que as suas atitudes causavam malefícios à saúde das pessoas, inclusive das suas próprias famílias. A Du Pont Company, fabricante do DDT e do 2,4 D (este um herbicida em uso até hoje), dois dos produtos dos mais criticados por Rachel Carson no livro, e a empresa Velsicon Chemical Company, produtora exclusiva dos inseticidas organoclorados Cordane e Heptacloro, do mesmo grupo do DDT, utilizaram-se de todos os artifícios possíveis para desclassificar as denúncias de Rachel Carson, inclusive do credenciado bioquímico da antiga Cyanamid Company, Dr. Robert White Stevens, para suporte científico das inverdades publicadas. Lamentável!

Em 1964, pouco menos de um ano após a morte do presidente Kennedy, o seu vice, agora presidente, Lindon Johnson, forçado pela pressão popular, criou uma emenda à discreta Lei FIFRA (Federal Inseticide, Fungicide and Rodenticide Act). Esta Lei fora criada em 1914, e regulava o uso dos pesticidas. A FIFRA era uma Lei discreta, emendada muitas vezes, e que se preocupava mais com a questão das falsificações de produtos do que qualquer outro fato. A emenda do presidente Johnson reconhecia o valor das contribuições que os pesticidas estavam prestando à nação e ressaltava possíveis efeitos prejudiciais sobre invertebrados e plantas. Indicou também novas medidas e orientações quanto aos rótulos nas embalagens dos produtos. A reação do público foi altamente desfavorável. A emenda foi considerada revoltante, verdadeiro incentivo à compra dos pesticidas. Este fato aguçou ainda mais as energias dos revoltados protetores do meio ambiente, que fariam surgir, por meio do engajamento de adolescentes e demais jovens, inclusive dos hippies, o forte e conhecido Movimento Ambientalista (Environmental Movement), que alcançou o ponto máximo em junho de 1970, quando todo o país se irmanou para celebrar o primeiro Earth’s Day, que alcançou proporções imprevisíveis, com as pessoas unidas nacionalmente, por uma causa que estava profundamente conscientizada, embora vagamente definida, como afirmaram alguns analistas mais recalcitrantes. No mesmo ano, diante a insustentável pressão popular e rompendo com os lobbies parlamentares, a presidência da república e o senado norte-americano, por meio de uma nova lei, agora discutida com cientistas de muitas categorias e, principalmente, com representantes dos ambientalistas, fizeram aprovar à criação de um órgão forte para proteção do meio ambiente. No dia 2 de dezembro de 1970, no centro da cidade de Washington DC., eram abertas as portas do Environmental Protection Agency (EPA), uma das mais respeitadas instituições dos Estados Unidos até os dias de hoje. A missão do EPA foi bem estabelecida: proteger a saúde humana e salvaguardar o meio ambiente natural; água, terra e ar, dos quais a vida depende. Para o EPA, foi dada toda autoridade para que fossem criadas novas leis e regulamentada à fabricação e uso dos pesticidas nos Estados Unidos, produtos que passaram a ser denominados de agrochemicals, mas, popularmente o termo pesticide permaneceu. Foi também concedida como missão do EPA estabelecer novos níveis de tolerância de resíduos dos agora agrochemicals em alimentos, fato que é monitorado com exigência máxima. É lamentável reconhecer, entretanto, que o EPA sempre trabalhou e se preocupou com política ambiental dos Estados Unidos, pois, muitos produtos que foram proibidos para uso naquele país tinham autorização para fabricação e exportação expedida pelo órgão. O EPA é muito forte politicamente, sendo equivalente a um ministério. Entre outras funções principais, além de legislar e fiscalizar assuntos pertinentes à pasta, encontra-se o financiamento de projetos, bolsas de estudos, de graduação e pós-graduação, objetivando o fortalecimento da consciência ambientalista e a formação de novos pesquisadores, protetores do meio ambiente. O mais nobre dos ambientes internos do EPA leva o nome Rachel Carson Hall. Na mesma época da criação do EPA, criou-se, em nível nacional, a obrigatoriedade, desde a escola primária até a universidade, o oferecimento de disciplinas sobre conceitos e práticas relativos à proteção ambiental.

Voltando ao ano de 1962, após a edição de Silent Spring, Rachel Carson passou a frequentar a convite, muitos dos quais impositivos, seguidas reuniões para debates, em que era sempre pressionada, mas se portava de modo destemido e firme nas suas convicções, muito embora já estivesse bastante doente. A sua última apresentação pública se deu perante o Comitê de Assessoramento Científico do presidente Kennedy, acima mencionada. Não compareceu a muitos outros “tribunais”, por não ter mais condições de deixar o hospital. Ironicamente, Rachel Carson faleceu vítima de complicações de um câncer de seio que já havia atingido o fígado. Sua morte ocorreu no dia 14 de abril de 1964, aos 56 anos de idade. Com a morte prematura, não lhe foi possível testemunhar o sucesso do seu trabalho nem a vitória da sua causa. Para evitar que o nome Rachel Carson caísse no esquecimento, muito dos seus admiradores, até hoje, prestam-lhe homenagens. O seu nome tem sido utilizado para dezenas de escolas nos Estados Unidos, para nomes de edifícios públicos associados à Ecologia, entre outros. Prêmios com seu nome são muitos, a exemplo do almejado “Prêmio Rachel Carson”, criado pelo governo da Noruega, em 1991, para distinguir mulheres que mais se destacam em trabalhos sobre proteção ambiental. Em 1980, o governo dos Estados Unidos concedeu-lhe, in memoriam, a Presidential Medal of Freedom, a mais alta honraria concedida a um civil naquele país.

Rachel Carson, fisicamente muito debilitada, em seu último e curto discurso, proferido numa solenidade em sua homenagem, em dezembro de 1962, dirigiu-se aos seus agressores de modo educado e inteligente, do seguinte modo:

“One obvious way to weaken a cause is to discredit the person who champions it. And so the masters of invective have been busy. They use to say: I am a “bird lover”, “a cat lover”, “a fish lover”, “a priestess of nature” a devotee of a mystical cult having to do with laws of the universe which my critics consider themselves immune to. Another well-know and much used device is to misrepresent my positions and then to attack things that I have never said. Now, I do not want to belabor the obvious, because anyone who has really read the book knows that I do not advocate the complete abandonment of chemical control, that I criticize modern chemical control not because it controls harmful insects, but because it creates many dangerous side effects in doing so. I criticize the present methods because they are based on a rather low level of scientific thinking. We really are capable of much greater sophistication in our solution of this problem.”