PROPOSTA DO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA SBPC PROF. RENATO JANINE RIBEIRO (USP) – “PERGUNTE O QUE A SBPC PODE FAZER PELO BRASIL”

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Estamos num momento paradoxal. Nunca a ciência foi tão mal-vista por um governo brasileiro. No entanto, nunca a ciência foi tão vital – literalmente – para todos nós. Ela representa a diferença entre a vida e a morte para a população humana.

Um projeto para a SBPC tem que partir desta contradição. Por um lado, o governo hostiliza o conhecimento e a própria vida. Isto exige de nós tomadas de posição fortes e constantes para defender as instituições de ensino e pesquisa públicas, bem como as agências de fomento e, ainda, o sistema público de saúde, que tem garantido a vacinação contra a Covid-19.

Por outro lado, embora estejamos ameaçados, somos talvez, isoladamente, o ator mais relevante para reconstruir o Brasil depois do presente desastre nacional, e mais que isto: para fazer que todas as conquistas – decisivas – da ciência modelem uma sociedade melhor do que a atual.

Hoje, temos de priorizar a defesa de nossas causas, que incluem a ciência, as humanidades, a cultura, a tecnologia, a saúde, o meio ambiente e a inclusão social. É uma tarefa urgente. Mas devemos fazer isto já levando em conta que reconstruiremos a casa bem melhor do que ela era. Temos de defender, mas não podemos ficar na defensiva.

Os avanços nas expectativas de vida, ao longo do século XX, mostram como as ciências, no caso, as da saúde, contribuem para a humanidade. Uma vida mais longa traz impactos sociais relevantes, alguns dos quais ainda conhecemos pouco, além daqueles que vão se desdobrar pelos próximos decênios.

Outros avanços permitiram reduzir seriamente a fome no mundo – a tal ponto que, pela primeira vez na História, ela não é mais problema de produção, mas de acesso. Só a vacina contra a varíola salvou centenas de milhões de vidas! Outros bilhões de vidas estão sendo salvas ou aumentando de duração. O tempo ocioso aumenta, e crescerá mais, à medida que aumente a esperança de vida. Como dar sentido ao lazer? É preciso concebermos um lazer rico, melhor que o entretenimento de massa. Isto, a cultura e a atividade física, a “mens sana in corpore sano”, podem proporcionar. Museus e centros culturais têm tudo para proliferar.

Por sinal, falando em memória: o bicentenário da Independência, que o atual governo nem sequer prioriza, deve incluir comemorações que se alonguem pela década. Não há como pensar o Brasil sem comemorar e valorizar a “Confederação do Equador”, esta experiência democrática infelizmente derrotada pelas forças da opressão que o primeiro imperador, personagem liberal na Europa e autoritário no Brasil, deslanchou. Que monumentos, que memórias podemos valorizar, daquele tempo em que se construiu um Brasil que saía de colônia, mas ainda permaneceu, por tanto tempo, escravagista? Como lembrar um País que não esteja confinado no Sul ou uma história, na feliz expressão de Evaldo Cabral de Mello, que não seja “riocêntrica”, como foi desde o Império, para valorizar as vivências diferenciadas que constituíram o Brasil?

A SBPC tem que protagonizar uma união dos conhecimentos alcançados estes anos – nas várias ciências, nas humanidades, nas tecnologias, na cultura, no meio ambiente, na inclusão social – para assim formular uma sociedade mais justa e mais feliz.

Mais justa: devemos finalmente realizar o princípio básico liberal e democrático, que não é o da destruição do Estado, mas o da igualdade de oportunidades, para que cada talento individual floresça.

Mais feliz: os avanços na educação criativa, na saúde, na cultura, na atividade física permitem propor uma vida melhor, revertendo o estresse profundo da vida atual, simbolizada na ideia do “24/7”, em que todos estão chamados a estar conectados 24 horas por dia, 7 dias por semana, o que nunca houve na História e, na verdade, não é necessário para a população em geral.

Nossa tarefa imediata é recompor o Estado, com particular ênfase nas instituições de educação e pesquisa, de saúde, de cultura e defesa do meio ambiente, rudemente agredidas estes últimos anos. Devemos garantir os recursos que as financiem, porque são o melhor investimento que pode o Brasil fazer para realizar suas potencialidades humanas e naturais.

Mas esta tarefa tem que vir no bojo de uma missão mais ambiciosa e audaz, que é a de como melhorar a saúde e os espaços de convivência, em especial nossas cidades, tão degradadas, e a vida no campo, ainda pobre, colocando o ser humano e a vida em geral como foco maior de nossas atenções

O Brasil não avançará sem políticas públicas, e estas não podem existir sem a ciência e a cultura. A experiência infeliz desses últimos anos deve nos servir para uma grande união em torno do conhecimento rigoroso, de modo a fazer nosso País realizar seus potenciais humanos e naturais.

Precisamos desde já de uma união nacional em torno de medidas concretas: o enfrentamento da Covid-19 com as práticas recomendadas, a vacinação em massa, o auxílio emergencial ou renda mínima para os vulneráveis, uma estrutura mais justa de impostos, a recuperação e fortalecimento da educação, cultura, tecnologia e do Sistema Único de Saúde, a defesa do meio-ambiente e, tudo isto, com o protagonismo de uma SBPC solidamente implantada nos Estados mediante a estrutura das secretarias regionais.

RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo. Foi ministro da Educação (2015) e diretor de Avaliação da CAPES (2004-8). Também foi professor visitante na Columbia University (2003-4) e na Universidade Federal de São Paulo (2018-20), fundando nesta última seu Instituto de Estudos Avançados e Convergentes (2019). Foi secretário da SBPC e é seu conselheiro.

CV: http://lattes.cnpq.br/9987610379141827