O Barragens Subterrâneas e de Assoreamento

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Waldir Duarte Costa (APC cadeira 36); Waldir Duarte Costa Filho* 

 

1. BREVE RESUMO HISTÓRICO

A barragem subterrânea é uma obra genuinamente pernambucana tendo surgido em 1981, quase simultaneamente por dois grupos de técnicos: o primeiro constituído pelos geólogos professores da UFPE, Waldir D. Costa, Pedro G. de Melo, Walter D. Costa e Ricardo J. R. Pessoa e o segundo por técnicos da EMBRAPA/PE. O primeiro trabalho do gênero foi publicado na revista “Agropecuária Tropical”, nº 25, em março de 1982, e posteriormente na revista americana “Agricultura de las Américas”, nº6 novembro/1996, sob o título Presas subterrâneas: opción para el semiárido. 

O modele proposto pela EMBRAP/PE era muito sofisticado e por isto mesmo de valor construtivo relativamente muito alto em comparação com o modelo denominado de COSTA & MELO que foi amplamente divulgado em congressos, simpósios além de cursos proferidos por Waldir Costa em quase todos os Estados do Nordeste. 

A primeira barragem subterrânea no Brasil adotando o modelo COSTA & MELO foi construída na Fazenda Pernambuca, de propriedade do pernambucano Clovis de Lima, no município de São Mamede, Estado da Paraíba. Somente no final da década 90, no governo de Miguel Arraes. As obras tiveram apoio do governo estadual que construiu 475 barragens subterrâneas em municípios do Agreste e Sertão, embora grande parte dessas obras se encontrem em desuso atualmente. Quanto as barragens de assoreamento não se têm conhecimento de nenhuma obra efetuada pelo governo. Este trabalho constitui uma síntese do Vol.3 dos “Cadernos do Semiárido” (CREA/UFPE/ROTARY) dos mesmos autores.

2. CARACTERIZAÇÃO DA BARRAGEM SUBTERRÂNEA 

Uma barragem subterrânea como o próprio nome sugere, trata-se de um barramento de um curso de água subterrânea, ou seja, a aplicação de um dispositivo que venha a estancar o fluxo da água que ocorre nos sedimentos arenosos de um rio superficialmente seco.

Nas regiões semiáridas representadas na maioria por terrenos cristalinos (rochas desprovidas de poros), os rios são intermitentes, isto é, escoam apenas durante o período de chuvas. Ao cessar o escoamento superficial a água que se infiltrou nos sedimentos areno-argilosos denominado de aluvião, permanece escoando lentamente abaixo da superfície do terreno, podendo vir a secar totalmente no final do período de estiagem. Assim, as captações que são construídas no leito aluvial do rio seco, como poços amazonas e cacimbas, tendem a secar até mesmo antes do término do período de estiagem.

A construção de um septo impermeável transversalmente ao rio e dentro do depósito aluvial irá reter a água que normalmente iria escoar, formando uma barragem subterrânea com condições de aproveitamento contínuo durante todo o ano seco. A partir do local do barramento para montante, isto é, no sentido do alto curso do riacho, a água irá ficar acumulada. (figura 1).


3. CARACTERIZAÇÃO DA BARRAGEM DE ASSOREAMENTO

O termo assoreamento significa “amontoação de areias ou de terras em rio, causada por enchentes ou por construções”. Uma barragem de assoreamento representa essa amontoação ou enchimento de areias por meio de um dispositivo que impeça a sua evolução para jusante do rio.

As barragens de assoreamento podem ser classificadas, de acordo com a sua construção e finalidade de uso nos seguintes tipos:

  • Barragem de assoreamento natural – quando o assoreamento se verifica em função de um acidente natural (ondulação do embasamento rochoso, erosão diferencial no embasamento rochoso, etc.). 

Este tipo de barramento é muito comum de ocorrer nos depósitos aluviais dos rios secos proporcionando condições de captação do aquífero aluvial freático durante todo o ano, por meio de poços construídos no leito ou nos terraços fluviais.


Figura 2Duas situações diferentes na formação de uma barragem de assoreamento natural. Em cima o barramento é produzido por uma ondulação do embasamento cristalino e em baixo, por uma intrusão de uma rocha de maior resistência à erosão.

  • Barragem de assoreamento seminatural – quando o assoreamento se verifica naturalmente por ação dos cursos hídricos superficiais, porém o barramento é construído pelo homem. Este tipo de barragem compreende dois subtipos, a saber:
  • Barragem de assoreamento com parede impermeável – o assoreamento se verifica com sedimentos em presença de água gravitativa, constituindo uma zona de saturação (Figura 3). 

Neste caso o material assoreado irá constituir um aquífero que poderá ser explotado através de poços tubulares rasos ou poços amazonas.  Construída a parede o enchimento da barragem se processa naturalmente, por precipitação da carga sólida transportada pelo rio.


Figura 3Esquema de uma barragem de assoreamento semi-natural impermeável.

Barragem de assoreamento com parede permeável – o assoreamento se verifica com sedimentos sem água gravitativa, apenas água higroscópica e água pelicular (Figura 4). Neste caso o material assoreado não irá se constituir num aquífero, pois não haverá uma zona saturada. A água higroscópica e pelicular somente irá proporcionar uma maior umidade ao solo permitindo a implantação de uma cultura que não necessite de grandes volumes de água para sobrevivência.

    

(em bloco tridimensional) (em corte)

Figura 4Esquema de uma barragem de assoreamento seminatural permeável. As setas em azul mostram o caminho percorrido pelas águas que se infiltram.

  • Barragem de assoreamento artificial – quando a parede impermeável e o assoreamento da barragem são feitos artificialmente. O material sedimentar é trazido de outras áreas e depositado na bacia hidráulica da barragem. Neste caso, a barragem possui uma zona de saturação de água (a figura 3 também é válida para ilustrar esse tipo de barramento).

4. CONSTRUÇÃO DE UMA BARRAGEM SUBTERRÂNEA

A construção de uma barragem subterrânea passa pelas seguintes etapas:

  1. Escavação de uma vala transversal ao rio, podendo ser de forma mecanizada ou manual;
  2. Colocação do septo impermeável que pode ser por lona ou por argila;
  3. Construção de um poço tubular ou amazonas na parte mais profunda da vala, podendo ser de anéis pré-moldados ou de tijolo e argamassa;
  4. Fechamento da vala com trator e manualmente;
  5. Colocação de um enrocamento de pedras ou muro de sacos arrumados, na parede de jusante;
  6. Produtos de uma barragem subterrânea.
  
Foto 1 – Mangueiras sub-irrigadas
Foto 2 – Horticultura irrigada
 

5. CONSTRUÇÃO DE UMA BARRAGEM DE ASSOREAMENTO 

Serão analisadas apenas os casos de barragem de assoreamento seminatural e artificial, pois o caso de assoreamento natural não há a interferência humana.

  • Barragem de assoreamento impermeável destinada à acumulação e aproveitamento da água armazenada, construída em concreto com sulcos alternados

Figura 5Barragem de assoreamento impermeável ao final do processo de acumulação dos sedimentos a montante. Vista de jusante, a parede se acha com os sulcos já totalmente cimentados (mostrados em hachuras) o que permitiu a acumulação de sedimentos à montante (de cor amarela).

  • Barragem de assoreamento impermeável destinada à plantação de culturas agrícolas na superfície, devido à retenção de água; também ocorre quando uma barragem antes destinada à acumulação de água é totalmente assoreada a montante (foto 3).
 

Figura 6 – Construção de uma barragem de assoreamento


Foto 3 – Barragem assoreada por etapas

  • Barragem de assoreamento permeável destinada à retenção de solos

Foto 4 – O depósito de areia formado nas enxurradas do rio (ou riacho) irá se acumular a montante do barramento. Como não há nenhum rejunte entre os blocos de pedra, a água do depósito aluvial formado se infiltra e sai a jusante da parede, não constituindo assim, um reservatório hídrico que possa ser captado

  • Barragem de assoreamento artificial

Foto 5 – A parede é construída de concreto, sendo depois preenchida a área a montante com areia vinda de fora. Antes do enchimento com a areia, constroem-se tubulares de concreto para sustentação da torre do cata-vento e para captação da água.


*Waldir Duarte Costa Filho**Geólogo com mestrado em Hidrogeologia, técnico da CPRM-Serviços Geológico do Brasil, presidente da ABAS/PE-Associação Brasileira de Águas Subterrâneas/Núcleo Pernambuco.