MATEMÁTICA, ESTATÍSTICA, MODELAGEM E PANDEMIA: ANTES, DURANTE E DEPOIS DA COVID-19

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José Antônio Aleixo da Silva(APC, cadeira 14); Jones Oliveira de Albuquerque (APC, cadeira #25)

Não se tem uma data precisa de quando surgiu a modelagem matemática/estatística, mas certamente deve ter sido pouco depois do surgimento da própria Matemática. Inicialmente, a observação da própria natureza, a classificação de elementos, a necessidade quantificar como o tempo passava, o surgimento do mais rudimentar tipo de comércio, etc., caracterizaram a necessidade de mensurar eventos, dando origem a Matemática, provavelmente em torno de 9000 a.C. na Babilônia (GARBI, 2006). O início da modelagem pode ser associado com o surgimento da primeira fórmula algébrica. 

Exemplos do emprego da Matemática na antiguidade são famosos, destacando-se o famoso Teorema da Pitágoras (570 a.C – 495 a.C), embora existam evidências de que os babilônios já sabiam calcular os lados de um triângulo. Crease (2006) relata os 10 mais belos experimentos científicos da história e cita como o primeiro deles o do sábio grego Erastótenes (276-195 a.C.) que realizou a cálculo oficial da circunferência da terra, isto no século III a.C.

Avanços significativos na Matemática ligados à modelagem vieram a ocorrer na época do Renascimento e no Iluminismo com Isaac Newton (1643-1727) com a lei da gravitação universal (1687) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) que de forma independente e paralela desenvolveram o cálculo diferencial e integral (Newton, 1666 a 1669 e Leibniz 1675 a 1676, sem que houvesse plágio), seguidos por Karl Friedrich Gauss (1777-1855), considerado o Príncipe dos Matemáticos e inventor do método dos mínimos quadrados em 1809 (GARBI, 2006).

Mas, certamente, o grande impulso na aplicação de procedimentos matemáticos associados à modelagem foi iniciado a partir da criação da Análise de Regressão, desenvolvida por Francis Galton (1822-1911), que foi publicada em seu livro Natural Inheritance (GALTON, 1889).

Já a Estatística em uma definição simples, pode-se afirmar que é a ciência de transformar dados em informações que ajudam nas tomadas de decisões. Existem inúmeras definições de “Estatística” algumas complexas e outras simples, mas na realidade todas elas, invariavelmente, são semelhantes. O termo provém do latim “Statisticum Collegium” (Conselho de Estado) e do seu derivado italiano “Statista” (Homem de Estado ou Estadista), sendo atribuído ao professor Gottfried Achenwall (1719–1772) que o usou pela primeira vez em 1746, na Universidade de Göttingen, Alemanha (MEMÓRIA, 2004).

Como derivada da Matemática e Estatística, surgiu a modelagem que é a arte de tentar representar fenômenos físicos e biológicos por meio de modelos.

O físico alemão Max Plank (1858-1947), considerado o pai da Física Quântica e vencedor do Prêmio Nobel de Física de 1918, afirmou que: “A ciência é a aproximação do homem com o mundo real …”. E em outra oportunidade: “Real é só o que se pode medir”.

Baseando-se na afirmativa de Max Plank, pode-se concluir que “modelo é uma formulação matemática/estatística fundamentada em uma hipótese que tenta representar um fenômeno físico ou biológico do mundo real, com a finalidade de gerar uma equação (algébrica) que possa estimar quantitativamente tal fenômeno a um determinado nível de probabilidade”.

Entretanto, os modelos epidemiológicos surgiram com uma publicação de Anderson Gray McKendrick em 1926, e outra em parceira com a Eillian Ogilvy Kermack em 1927, mais conhecida (McKENDRICK, 1926; KERMACK; McKENDRICK, 1927).  

McKendrick e Kermack. Fonte: link.springer.com

Tais modelos são empregados para fazer projeções de propagação e redução de epidemias e levam em consideração a divisão da população em indivíduos ou grupos de indivíduos com comportamentos semelhantes. Nos trabalhos iniciais a população era dividida em três grupos: susceptíveis (S) que corresponde ao número de indivíduos não infectados com a doença, mas que são susceptíveis; infectados (I) que é o número de indivíduos infectados com a doença e que são capazes de transmití-la aos da categoria susceptível, e recuperados (R), constituindo por  indivíduos que foram infectados e em seguida foram removidos devido imunização ou morte, não se infectam novamente e não transmitem a doença para outras pessoas. Estas três categorias ou grupos, definem os chamados modelos SIR, cujo fluxo é representado por S → I → R. 

Atualmente, as variações do modelo SIR são inúmeras com a incorporação de diversos parâmetros, tais como: a) SIR incluindo nascimentos e mortes S→ I→ R; b) SIS os indivíduos recuperados continuam suscetíveis S→ I→ S; c) SIRS os indivíduos recuperados podem voltar a ser suscetíveis S→ I→ R→ S; d) SEIS considera um período de latência da doença (E) S→ e→ I→ S; e) SEIR considera que existem indivíduos infectados, mas que não são transmissores S→ e→ I→ R; f) MSIR considera que alguns indivíduos nascem imunes (M) M → S→ I→ R; g) MSEIR considera doenças com fatores de imunidade passiva e período de latência M → S→ 𝐄→ I→ R e h) MSEIRS considera que a imunidade na classe R é temporária M → S→ 𝐄→ I→ R→ S, assim por diante.

Como o passar dos anos e com o uso de computadores na modelagem epidêmica, novos modelos com diferentes estruturas algébricas lineares e não lineares foram sendo desenvolvidos. Além disto, outras epidemias do passado e agora a Pandemia COVID-19 explicitaram que, mesmo as estruturas algébricas desenvolvidas como modelos, parecem ser insuficientes para tentar modelar fenômenos como a COVID-19. Basta observar que o R(t) – fator de reprodutibilidade basal – que tenta capturar a taxa de contágio necessária, por doença, para que uma epidemia se espalhe ou não. Em um modelo SEIR, a duração média do estado exposto é  τE. A duração média do estado infeccioso latente é τI. O indivíduo infecta Ro outros indivíduos durante este período. Este é um modelo SEIR e Ro pode ser escrito da seguinte forma:

Ro = 1 + κ( τE+ τI) + τEI2

Este método de estimativa foi aplicado à COVID-19 e ao SARS. Segue-se a equação diferencial para o número de indivíduos expostos nE e o número de indivíduos infecciosos latentes nI.

ddt nE nI =-1 τE Ro τI 1 τE -1 τI nE nI

O maior autovalor da matriz é a taxa de crescimento logarítmico , que pode ser resolvido para Ro.

Mesmo assim, o Ro parece não conseguir capturar a dinâmica de COVID. Por exemplo, em Pernambuco, o R(t) medido pelo [irrd.org/covid-19]:

Nos sugere uma pandemia em controle (oscilando em torno de 1,0), mas ao se observar as curvas de Taxa de Ocupação de Leitos fornecida pela Secretaria de Planejamento de Pernambuco, por exemplo, percebe-se que desde 23 de setembro que a ocupação de leitos está em crescimento e agora em rota de saturação:

Assim, parece que se necessita de uma nova modelagem mais apropriada para fenômenos epidemiológicos. Desta forma, abordagens geométricas têm sido exploradas mundialmente. Por exemplo, as abordagens topológicas se mostram mais robustas a esta variabilidade e até volatilidade algébrica de fenômenos como COVID-19. As Curvaturas por invariantes tipológicas de tensores em redes complexas parecem ter maior robustez, e por isto, mais eficazes no monitoramento. Por exemplo, vide as Curvaturas de Forman-Ricci como indicador de risco pandêmico e calculadas pelo [https://www.irrd.org/covid-19/ricci/] que parecem ser bastante robustas à variabilidade de COVID (SOUZA et al., 2021):

Curvatura de Ricci

Assim, as Curvaturas sugerem que as modelagens de fenômenos epidemiológicos parecem mesmo necessitar de uma abordagem não algébrica e mais geométrica.

Entretanto, por melhor que sejam os modelos, as incertezas continuam existindo, pois se trata da modelagem de um fenômeno que não é conhecido por completo, pois a pandemia tem sido imprevisível e depende de inúmeros outros fatores, alguns conhecidos e outros completamente desconhecidos. Certamente, depois da pandemia, sua modelagem será bem mais precisa.

REFERÊNCIAS

CREASE, R. P. Os mais belos experimentos científicos. Tradução de Maria I. D. Estrada. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2006, 196 p.

GALTON, F. Natural inheritance, MacMillan & Company, 1889, 271 p.

GARBI, G. G. A rainha das ciências. Um passeio histórico pelo maravilhoso mundo da Matemática. Editora Livraria da Física, 2006, 346 p. 

KERMACK, W. O.; McKENDRICK, A. G. A Contribution to the Mathematical Theory of Epidemics – I. Proc. R. Soc. Lond. A, 115, 1927. p. 700-721.

McKENDRICK, A.G.: Applications of mathematics to medical problems. Proc. Edinb. Math. Soc. 13, p. 98–130 (1926)

MEMÓRIA, J. M. P. Breve história da Estatística, EMBRAPA, Textos para discussão n. 21, 2004, 112 p.

SOUZA, D. B. at al. Using discrete Ricci curvatures to infer COVID-19 epidemic network fragility and systemic risk.  

[https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.01.20047225v2] aceito para publicação no Journal of Statistical Mechanics: Theory and Experiment.