ÁGUA SUBTERRÂNEA ORIUNDA DO TRATAMENTO DE ESGOTOS

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Waldir Duarte Costa e Waldir Duarte Costa Filho (Convidado da APC)*

  1. INTRODUÇÃO

Em início do ano de 1998, uma equipe de técnicos de Pernambuco, sob a coordenação do geólogo Waldir D. Costa, professor aposentado da UFPE, elaborou e encaminhou para o programa PADCT – III, do Ministério da Ciência e Tecnologia, um projeto intitulado de TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA HÍDRICA DO SEMIÁRIDO. O projeto em questão consistia em uma viagem à região árida dos Estados Unidos da América, de técnicos que lidavam com recursos hídricos, com ênfase nos mananciais subterrâneos, em várias entidades públicas federais e estaduais de Pernambuco, com a finalidade de observar as tecnologias e metodologias de trabalho que vêm sendo empregadas naquela região, e que transformaram um inóspito deserto no maior celeiro de frutas do mundo. O presente artigo constitui uma síntese do capítulo 3 (Clênio Torres e J. C. Borba) do “Relatório de Viagem” elaborado pelo grupo de técnicos de Pernambuco.

Foto 1 – Da esquerda p/direita: José de Assis Ferreira (EBAP/SPRRA-PE), Maria Lorenza Ferreira (SRH/PE), Marcelo Cauás Asfora (SRH/PE), J. Carlos Borba (SRH/PE), Waldir D. Costa (COSTA Cons.), Aldo. da C. Rebouças (USP/SP), Abelardo A. A. Montenegro (UFRPE), J. Almir Cirilo (UFPE/SRH), Suzana Montenegro (UFPE), e Waldir D. Costa Filho (CPRM).

O PROBLEMA DE LOS ANGELES

A região ocidental dos EUA é caracterizada por um clima árido a semiárido com precipitações pluviométricas médias variando entre 100 e 300mm/ano. A cidade de Los Angeles se situa na margem continental do Oceano Pacífico e está assentada sobre uma bacia sedimentar costeira onde ocorre um depósito de águas subterrâneas. Esse manancial hídrico foi explotado por poços para abastecimento daquela cidade durante várias décadas até que, por ausência quase completa de recarga do aquífero, a interface água doce/água salgada que ocorre nas regiões costeiras foi comprometido, dando ensejo a ingressão na bacia sedimentar de água salinizada do oceano, o que caracteriza a denominada “cunha salina”, tornando a água subterrânea praticamente imprestável para o consumo humano.

  • A SOLUÇÃO DO PROBLEMA – A FÁBRICA DE ÁGUA DO SÉCULO 21

O Orange County Water District – OCWD é um empreendimento localizado em Fontain Valey, no Condado de Orange, vizinha de Los Angeles, na Califórnia, numa região onde chove cerca de 300 mm por ano, próximo ao Oceano Pacífico. Aproximadamente 75% do contingente populacional é abastecido por águas subterrâneas da bacia sedimentar de Orange County, e, os 25% restantes, com água do aqueduto do Colorado e águas fornecidas pelo State Water Project.

Em 1956, foi efetuado em forte bombeamento para exploração de água tendo em vista que aquela época se verificava uma grande intensificação de uso de água para a agricultura, levando o lençol à níveis muito baixos. Foi então que ocorreu a primeira intrusão de água do Oceano Pacífico, chegando a adentrar cerca de 6km. Para controlar o processo de salinização do aquífero, o Distrito de Águas opera uma série de 23 poços, para injeção de água a 6km da costa, para formar uma barreira de proteção ao aquífero doce, evitando a invasão de água salgada, formando assim o chamado Talbert Barrier Project.

A Fábrica de Água do Século 21 designada em inglês de WATER FACTORY 21 já vem operando há mais de cinco décadas. Consegue recuperar a água aos padrões de potabilidade (sólidos totais dissolvidos abaixo de 500 mg/L) exigidos pelas autoridades de água do Distrito, mas só em outubro de 1976, a água recuperada passou a fazer parte de mistura de água de diferentes origens, que é injetada ao solo, para formar a barreira de contenção da água salina. Atualmente, são utilizadas águas de poços profundos, águas superficiais importadas do Colorado, além das águas servidas (de esgoto doméstico), após ser submetida a processo de recuperação.

  • PROCEDIMENTOS PARA PURIFICAÇÃO DA ÁGUA

O esquema de tratamento utilizado na Water Factory 21 passa pelas seguintes etapas: clarificação química, recarbonatação, filtração múltipla, carvão ativado granulado, osmose reversa, cloração e mistura como mostrado no fluxograma abaixo:

As fotos que se seguem mostram alguns dos aspectos do tratamento químico e físico que as águas servidas passam até serem injetadas no aquífero.

Foto 2 – Tanque de  recarbonatação
Foto 3 – Conjunto de unidades de osmose reversa operando em paralelo
Foto 4 – Poço de recarga multinível (em primeiro plano) e de bombeamento (ao fundo).

 

Verifica-se que o processo de injeção apresenta uma dupla finalidade: impedir o avanço da cunha de água salina na bacia sedimentar do continente e, ao mesmo tempo, proporcionar uma recarga ao aquífero que se achava em regime de superexplotação com rebaixamentos acentuados da superfície potenciométrica.

  • CUSTOS

INVESTIMENTO E CUSTOS DE IMPLANTAÇÃO

  Total (US$) Federal (US$) State (US$) OCWD (US$)
Investigações e melhorias  2,275,000  130,000     0  2,145,000
Recuperação da água servida 13,400,000 6,850,000 3,116,000 3,434,000
Equipamentos da Barreira de Injeção 1,430,000 350,000 160,000 920,000
Poços profundos 732,000 0 0 732,000
Osmose Reversa 3,000,000 0 0 3,000,000
TOTAL 20,837,000 7,330,000 3,276,000 10,231,000

Os custos e investimentos apresentados acima se referem aos valores reais aplicados desde meados da década de 70.

  • COMENTÁRIOS FINAIS

Tive a curiosidade de perguntar ao coordenador do projeto, qual o custo do m3 da água servida à população, considerando os investimentos no tratamento, na injeção da água tratada no aquífero e a distribuição com a população. Respondeu-me o coordenador que o custo do m3 da água ficou em torno de US$ 1,00. Naquela época em que executamos a viagem, ainda na década de 90 o dólar custava pouco mais de um real.

Considerando o custo da água subterrânea obtida em poços da nossa região, que variam entre R$ 0,30 e 0,50/m3 esse custo se apresenta elevado, todavia, comparando-se com a água tratada pela empresa concessionária (COMPESA) que varia entre R$ 4,5 e 6,2/m3 (esse valor inclui o esgoto que corresponde ao mesmo valor da água), pode ser considerado adequado. Muito pior e também mais cara é a água servida em “carro-pipa” no interior do Estado que gira em torno de R$ 8,00 o m3, sem nenhuma garantia de qualidade.

*Waldir Duarte Costa, Geólogo, professor titular da UFPE (aposentado), mestre e doutor pela USP, membro decano do CRH-Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Pernambuco, Acadêmico da ACP-Academia Pernambucana de Ciências.